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Avó Cool

Avó Cool

Sair da engrenagem

A minha avó gostava de ficar na sua casa quieta, dizia que escutava o silêncio. Moldou as horas ao seu tempo próprio. Estava certa porque era tudo certo ali, no mundo que criara e que organizava diariamente, cumprindo as tarefas domésticas com o zelo de quem vai receber visitas. Cozinhava ao almoço e ao jantar, punha a mesa para uma, varria o chão, limpava as divisões, cuidava do jardim. Para o exterior, seria uma velha “parada” já sem mão na escrita dos seus últimos capítulos de vida. Ah, mentira… Andamos confundidos sobre o que é parar.

Foi-nos inculcado que temos de dar provas do nosso trabalho, que sem ele andamos por aqui a tecer. Obviamente que trabalhar é importante e necessário, mas sair da formatada “vida ativa” (conceito de risco, cerceador das possibilidades) é também abrir a porta a uma existência plena – e em qualquer idade.

Temos medo de parar por acharmos que ficamos a dever algo à sociedade. Deixamo-nos invadir pela culpa por estarmos a respirar fora da engrenagem, quando parar pode ser exatamente a oportunidade de reinvenção de nós e do exemplo que damos aos outros.

Quem se entrega à meditação não está parado; no seu coração entende estar a fazer muito mais por si e pelo mundo.

Quem contempla a natureza e se dá tempo para a descoberta de suaves impressões (encanta-me a beleza do termo “serendipidade”) não está parado; entra num estado de harmonia que emana uma energia de união com o todo.

Quem lê um livro, ouve uma música ou finalmente resolve pintar não está parado; viaja por todos os lugares.

Quem sai do “mercado de trabalho” para se redescobrir em novas tarefas não está parado; cumpre um desígnio, um apelo e um plano que lhe estava destinado.

Há dias acabei de ler “Cavalos Roubados”, de Per Petterson. Um homem de 67 anos, viúvo, abandona Oslo, vende a sua empresa e vai viver sozinho para junto de um lago nas montanhas. Fica este trecho:

“Agora o tempo é para mim, digo-me. Não que deva passar depressa ou devagar, mas que seja apenas tempo, que seja algo no interior do qual viva e que possa preencher com coisas físicas e atividades através das quais o possa dividir, de modo a que cresça e que seja diferente para mim e que não desapareça quando eu não estiver a olhar”.

Este homem não está parado. O mundo sim, pensa que parou. Somente saiu da engrenagem.

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