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Avó Cool

Avó Cool

Ninho vazio, coração povoado

Não é a comum síndrome de ninho vazio, até porque os filhos já arvoraram há alguns anos. É a casa quieta, a porta fechada e a distância do abraço. Falta o “amo-te muito” com pele e barulho de beijo. E, no entanto, não é solidão.

Claro que é difícil. O bebé deixou de passar aqui dias inteiros. Não o abraço há semanas. A filha, que me acena pela janela quando vai passear o cão, tem o cuidado de enviar vídeos. Todos os dias ouço pelo telemóvel os gritinhos, os risos e o palreio de uma criança feliz. Mas que cresce sem estar bem junto a mim. Está quase a andar. O corpo sentado segura-se lindamente, já não tomba. Só quer gati-rastejar pelo chão. Os sons das primeiras palavras começam a anunciar-se, balbuciantes. E eu longe. Sempre perto.

Claro que é difícil. Os braços da minha filha são quentes, fortes, protetores. As palavras de amor são escritas, todos os dias. A disposição para ajudar, para vir cá, é reiterada diariamente. Mas falta o cheiro – ah, a frescura desta menina – e a energia deste meu amor à hora do almoço, nesta grande mesa da sala.

Claro que é difícil. O meu filho noutro país, encerrado num quarto. São meses sem o abraçar. O voo comprado não será voado, é isto. Deveria ser na Páscoa que o agarraria e deixar-me-ia ficar colada a ele. Tão quente, tão doce. Está bem, ele está bem. Tem tido cuidado. Mas era aqui que deveria estar para eu cumprir o papel que nunca irei deixar: proteger, dar colo.

Claro que é difícil. A mãe encerrada na sua casa, dizendo ao telefone vezes sem conta “minha rica filhinha”. As compras que levo até ela sem entrar, entregues a um irmão que tem a sua própria conta de ausências: quando voltará a abraçar os seus filhos?

Claro que é difícil. O namorado em quarentena, sozinho a quilómetros de distância, sentindo os dias de ausência. 

Claro que é difícil. Sou uma sortuda, tenho uma grande rede de amizades sempre em contacto remoto. Mas faltam os brindes, os passeios, as confissões e cusquices num serão animado sob o mesmo teto, ou a longa cumplicidade que se cumpre ao pôr-do-sol, na esplanada do costume.

Claro que é difícil. Os vizinhos não se cruzam, os conhecidos não se encontram.

Claro que é difícil ter este ninho vazio. Vale-me – vale-nos a todos – saber que o coração está cheio, imensamente povoado. Nele estão todos os meus e mais uma multidão. Estás tu, que leste este texto. Fica em casa. Cuida bem de ti!

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