Hoje, no lugar do outro
“Saúde mental é SENTIR”. A frase está na contracapa de um pequeno bloco que esta manhã me foi entregue, juntamente com um laço verde, para assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental. Neste SENTIR está um apelo: coloca-te no lugar de quem sofre, percebe como bate esse outro coração.
O laço e o bloco foram-me entregues por uma doente mental num hospital psiquiátrico. Calhou ser hoje mais uma consulta de um familiar muito próximo para quem eu me tornei num pilar. É há uns dez anos um caminho difícil que me faz experimentar estados de revolta, impotência, desespero, aceitação, tristeza, compaixão. Agora sai de ti, Maria – o que têm esses dez anos no coração e na mente de quem acompanhas? Tristeza e medo, medo e tristeza. É ou não bem pior?
Há da parte do cidadão saudável, socialmente integrado, enquadrado nos padrões regulares de vivência emocional, intelectual e funcional, essa ideia de que o doente mental sente o que se passa nele e à sua volta de um modo tão distinto que, provavelmente, sofrerá menos ou precisa de menos. É mentira.
Às vezes acordamos a meio da noite e somos assaltados por pensamentos que se tornam obsessivos, desmesuradamente assustadores. Ficamos ali algum tempo sem ver a luz ao fundo do túnel, esmagados por um pensamento-problema que à luz da manhã, afinal, perde o peso, a urgência e o drama. Um doente mental fica muitas vezes nessa noite. O laço é verde, “a cor da esperança”, disse a senhora que mo ofereceu. É a esperança na recuperação, total ou a possível, destes doentes, mas é também a esperança numa sociedade capaz de os SENTIR.