Carta a um bebé
Olá Maria,
O mundo, apesar de tudo, é mais macio do que esse berço-aquário em que tens de estar, num serviço de Neonatologia. Reserva-te carinhos de mãos sem luvas, rostos que sorriem sem máscara, corpos de amor, enfim, que te embalam.
Não é fácil nascer quando a doença domina os dias e o medo da morte toma conta da cidade inteira, mas logo, logo sairá o segundo resultado negativo, a confirmação pela qual todos aguardam: serás mais um bebé saudável nascido de mãe infetada. Serás sempre, mais do que bondade da natureza, uma força de esperança alcançando o futuro.
A mãe vai ficar bem. É, sempre foi e continuará a ser uma resistente (que fibra tem esta mulher de compleição miúda). Passou a vida a lutar pela sua saúde e foi vencendo as batalhas; agora tudo o que quer é lutar por muito tempo ao teu lado: zelar para que nada de mal te aconteça – NUNCA (as maiúsculas são dela, apesar de ignorar a redação desta carta).
Aguenta só mais um pouquinho. Tens muitos braços à tua espera. Alegra-te com a ideia de pertenceres a uma família unida. Um dia, com as tuas pessoas, vais mergulhar no mar e subir montanhas, correr no meio dos campos e escrever o teu nome por toda a parte.
Ah, Maria! Sê Bem-vinda!
(Respeitando o anonimato de mãe e filha, escrevo sobre um caso real. A mãe é minha amiga, está internada e ainda não conseguiu chorar. Não se permite a tal; diz que mais tarde cuidará das suas feridas. Não lhe foi possível ver o seu bebé, de quem apenas recebe algumas fotografias.)