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Avó Cool

Avó Cool

Desafio de escrita dos pássaros #3

SÓ UM INSTANTE

Sofro de indefinição. Sou aquela no meio da ponte para quem escolher é um verbo complicado, ou então sou o rio que toca nas duas margens. Nesta minha condição existencial, não posso escolher um momento que me tenha marcado. Tenho a vida tatuada deles e viver é a grande odisseia.

Na sua amplitude, a indefinição traça um mapa de certezas: não sei qual o título de música, livro ou filme que vai melhor com a minha história, sou incapaz de definir a cor ou o paladar que trago no corpo, desconheço a clareza religiosa que pode encher a alma, ando às vezes mais perdida do que encontrada, mas gosto do dia, da noite e do lusco-fusco, de todas as estações e das gradações de felicidade que vão pintando a luz e o êxtase no dia-a-dia; e reconheço os amores, eternos, que regulam os meus sinais vitais.

Pois bem, sem poder e querer escolher um momento que me tenha marcado, e considerando que um breve instante tem sempre tudo para ser uma aventura, fico entre o antes e o depois de duas fotografias:

Um casal com um cão namora o entardecer. Uma rapariga a correr e um surfista saído do mar estão prestes a cruzar-se.

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Um casal com um cão namora o entardecer. Uma rapariga a correr e um surfista saído do mar acabam de se cruzar e seguem em direções opostas.

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Entre uma e outra imagem, vi um casal com um cão a namorar ao entardecer e as silhuetas unidas de uma rapariga a correr e um surfista saído do mar. Por um átimo, foram um corpo só, um X na mistura de dia e noite, ao lusco-fusco.

 

[texto realizado no âmbito do desafio de escrita criativa lançado pelo blogue Os Pássaros. Tema da semana: "partilhar uma experiência ou momento que te tenha marcado"]

Desafio de escrita dos pássaros #2

Querida neta,

No momento em que lês esta carta, terás chegado de lua-de-mel, pronta para iniciar uma nova fase da tua vida. Acredito que o teu marido fará de ti uma mulher feliz, mas pelo sim, pelo não, nunca te esqueças disto:

O amor e um estalo… o caralho!

Beijinhos do avô que te quer muito

 

(Escrevi o texto para o Desafio dos Pássaros na quarta-feira, optando desde o início pelo registo epistolar. A “carta do avô” que inicialmente escrevi era bem mais longa. Esta versão curta impôs-se na quinta-feira com a notícia de mais uma vítima mortal de violência doméstica, desta vez em Braga. De repente, o desenvolvimento do texto deixou de fazer sentido e o estalo tornou-se numa facada.

Quem morre às mãos de alguém nunca morre por amor. Quem agride não ama, na melhor das hipóteses vive entre equívocos.

Uma vítima de violência doméstica perde sempre – se não é assassinada, vai tendo a morte por dentro.)

 

[texto realizado no âmbito do desafio de escrita criativa lançado pelo blogue Os Pássaros. Tema da semana: "O amor e um estalo".]

Crise climática: por favor, faz alguma coisa

Líderes de todo o mundo participam, no dia 23 de setembro, na Cimeira de Ação Climática 2019, promovida pelas Nações Unidas. Há um movimento global de comunicação a decorrer até ao evento e um repto da ONU lançado a todos nós, os cidadãos.

Cinco textos por dia, todos os dias da semana, com semanas transformadas em meses, nunca chegariam para abordar num modesto blogue todas as questões arrastadas por esse monstro chamado Crise Climática. Sinto, no entanto, que é meu dever voltar ao tema regularmente, dado que as mudanças do clima são enormes, algumas extremas, e exigem-nos reação, capacidade de adaptação e solidariedade – com os outros, com o futuro e com a Natureza.

 

ACT NOW – O DESAFIO QUE NOS FAZ A ONU

Porque “as pequenas mudanças podem fazer a grande diferença”, as Nações Unidas identificaram 10 ações-chave que todos podemos implementar e cimentar nas nossas rotinas. A esse intuito responde a campanha ActNow, um apelo global à ação individual. No âmbito da iniciativa, serão apresentadas na Cimeira várias das ações reportadas por cidadãos no website do projeto.

São estas as 10 formas de ação que dão expressão ao movimento ActNow:

- Duches de cinco minutos (reduzir o tempo do banho)

- Conduzir menos (optar pela mobilidade verde e pelo uso partilhado do veículo automóvel)

- Refeições sem carne

- Produtos locais (privilegiar os produtos sustentáveis, de proximidade)

- Reciclar

- Desligar as luzes

- Desligar da tomada (gestão das fontes de alimentação energética)

- Reabastecer e reutilizar (ou seja, descartar a embalagem de uma utilização única)

- Adotar a moda ecológica

- Levar saco próprio (na ida às compras)

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A indústria da comida, segundo a ONU: “o que comemos tem influência considerável nas mudanças climáticas. A destruição e conversão das selvas tropicais em terrenos de cultivo, a par da crescente procura de carne, está a provocar um grande aumento das emissões de gases com efeito de estufa”. Por outro lado, “desperdiça-se cerca de um terço dos alimentos que se produzem”.

Sobre a moda: “a indústria têxtil é responsável por cerca de 10% das emissões mundiais de gases com efeito de estufa”, sendo que “consome mais energia do que o conjunto dos setores de aviação e marítimo”. Mais, “gera aproximadamente 20% das águas residuais ao nível mundial”, tudo para “85% da roupa acabar em lixeiras ou incinerada, apesar de a maior parte ser reutilizável”. O desafio é reciclar e reciclar (apelo à reutilização criativa) a roupa, reinventando “looks”, e optar por marcas com preocupações e soluções efetivamente sustentáveis. Para começar, comprar o necessário (ou seja, aderir à moda do mais-é-menos).

#ActNow

 

COVERING CLIMATE NOW e o jornal PÚBLICO

O conhecimento é sempre o grande instrumento de transformação e a maior arma de pressão sobre decisores locais ou mundiais. Porque para agir é preciso conhecer, importa divulgar. É esse o intuito do projeto Covering Climate Now (Cobrir a questão climática agora), uma iniciativa do jornalismo global comprometida com uma maior e melhor cobertura da “história que define o nosso tempo”. Ou seja, a intenção é “maximizar a cobertura da crise climática e do seu impacto” até à Cimeira de 23 de setembro.

Iniciado no passado dia 15, este grande projeto mundial, que tem o The Guardian entre os órgãos fundadores, conta com a participação de mais de 250 meios de comunicação social, entre jornais, revistas, agências noticiosas, televisões e instituições, académicas e outras. Em Portugal, um aplauso para o jornal Público, que se associa à iniciativa.  

Sob o tema Crise Climática, o jornal português está a publicar diariamente um dossiê (reportagens, entrevistas e análises) que importa a todos nós e que vai ao encontro de grandes perguntas: “Qual o impacto das alterações climáticas em Portugal e no mundo? O que é que já está a mudar? Que medidas estão a ser propostas pelos políticos e como se fala das alterações climáticas nas escolas?” 

 

Nota de rodapé: a Universidade de Coimbra prepara-se para deixar de servir carne de vaca nas suas cantinas. "Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada", declarou o reitor da UC no discurso de boas-vindas aos novos estudantes da instituição (podea ler a notícia no Sapo24). A medida pode parecer drástica, mas o mundo está num ponto de viragem, por sinal bem drástico. 

Desafio de escrita dos pássaros #1

MERCEARIA

- Por favor, queria dois quilos de problemas.

- Com certeza. Não quer acompanhar com um bom néctar de sonhos? Tenho aqui a colheita ideal para equilibrar…

- Agradeço, mas não.

- E uns desejos light? São fresquinhos, alcançáveis, diria até que fáceis de cumprir. Acredite que vai gostar!

- Passo.

-  Um saquinho de prazeres simples? Depois de provar não vai querer outra coisa; tenho clientes que se deleitam com eles todos os dias.

- Não! Dois quilos de problemas. Isso, pese lá direitinho.

- O cliente manda, mas não leve a mal a pergunta: nunca varia de regime de vida? Isto é como o outro, sempre arroz, sempre arroz…

- Talvez seja, mas o fatalismo nunca perde a elegância. Gosto de jogar pelo seguro; as alegrias não me beneficiam muito e o excitamento causa-me arrepios. 

- Então e depois? Mais vale um frisson pela espinha abaixo do que um andar cabisbaixo, digo eu.

- Diz mal! Se eu for por aí com a cabeça afundada nos ombros, maldizendo a minha sorte e o meu fado de tristezas, ninguém me incomoda com nada, faço-me entender? Melhor, acabo por colher umas boas doses de comiseração, o que é sempre um excelente condimento para uma pessoa  sensível. Sou muito sensível. Além de que não me exponho a esse disparate de procurar ser solidariamente feliz, uma trabalheira, percebe?

- Honestamente, não atinjo. São então só os problemas?

- Isso mesmo: problemas, só problemas!

- Sabe que para quase tudo há uma solução…

- Nada de soluções, transformações, revelações ou novas resoluções. Não uso nada disso.

- Enfim, lamento.

- Olhe! Uns lamentos não iam mal. Arranje-me aí uns 600 gramas.

 

[texto realizado no âmbito do desafio de escrita criativa lançado pelo blogue Os Pássaros. Tema da semana: "Problemas, só problemas!"]