Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Avó Cool

Avó Cool

Avós são os que amam

Biologicamente, não nos tornamos avós por deliberação própria; os filhos não nos chamam para tomarem a decisão de criar descendência – quando muito, pela ordem ideal e natural das coisas, participam-na.

A verdade é que a chegada dos netos representa a nossa total emancipação. Somos livres de ficar ou abalar. A opção está do nosso lado, indicando com absoluta clareza que é avó, ou avô, apenas quem quer, quem decide amar. Estamos perante um estatuto que, tirando o facto de se apresentar quando levamos já algum avanço na vida, começa por ser arbitrário e descomprometido. Uma vez assumido, no entanto, é para sempre: não há volta a dar quando se escolhe amar incondicionalmente, sem aguardar por retorno.

Hoje e todos os dias lembro o vagar da minha avó a desmanchar os novelos de aletria e o tempo sem relógio que nos dedicava. Vejo a minha mãe sem filtro com os netos, na alegria e na aflição (porque no que toca a eles não bate a tristeza), e o meu pai para sempre vigilante (porque simplesmente nunca deixará de existir). Observo a minha filha transformada na melhor mãe enquanto embala o seu bebé. Aprecio o modo como o avodrasto cá de casa assimila esta nova dimensão familiar. Penso também na minha tia sem filhos que nos seus últimos pensamentos lúcidos lamentava a má sorte de tantas crianças “num mundo escangalhado”; no casal vizinho que recebe os sobrinhos-netos, verdadeiros e emprestados, com um chocolate ou outro mimo doce; nas pessoas que aceitam missões e causas de compromisso com o futuro, cuidando das novas gerações. Honro os avós presentes e entre estes os que amam mesmo na ausência do toque, com saudade, por tantos tipos de distância.

#AvoMaisFelizdoMundo

Aquele depois do verão

pés no mar.jpg

Passara setembro e quase outubro inteiro, era final de tarde e os surfistas tomavam conta do mar, que não lhes dava grande luta. Um grupo de corredores atravessou o areal, por onde passeavam cães e donos, casais de namorados e algumas pessoas sozinhas, distraídas, que de vez em quando misturavam as suas sombras oblongas como se fossem velhos conhecidos num outro paralelo. Ela chegou com movimentos enérgicos e fez tudo sem abandonar o sorriso.

Naquele depois do verão, surgia aquela força de outono com a pele curtida pelo sol de muitas estações, focada nas tarefas essenciais de largar os sapatos e o saco, tirar a roupa, entrar na água, chapinhar de um modo quase infantil, nadar de bruços uns quantos metros e rir-se para os surfistas, sem outra intenção que não fosse gozar cada momento extraordinário. Bastava vê-la ali, pela primeira e única vez, para se perceber que era uma mulher de momentos extraordinários.

Por mais de meia hora, aproveitou o resto de sol que prateava o mar, indiferente ao frio que começava a cair na areia seca de onde eu a mirava com o desejo de dar aquele mergulho na liberdade. Não levara o fato de banho, não era suposto num final de outubro com a praia tomada por gente vestida, entregue à sua marulhada de pensamentos que iam e vinham. Aos sessenta e muitos, a julgar pela aparência, ela era a vontade própria, o encontro com o tempo exato; nem por um segundo se confundia com resistência ou provocação; não desejava provar nada a ninguém ou a si própria.

Saiu da água com o mesmo sorriso e a mesma presença nas tarefas. Retirou a toalha do saco, enrolou-se nela e com agilidade despiu o fato de banho preto, enfiou o vestido pela cabeça e sentou-se para acabar de se compor; levantou-se pouco depois e eu segui olhando-a. A alguns metros à minha direita, um jovem em posição de lótus meditava de olhos fechados, uma outra forma de atenção à respiração das ondas.

A mulher-árvore

As árvores e as mulheres explicam-se quase do mesmo modo. Com mais similitudes do que diferenças, partilham o estilo. O meu é o do jacarandá. 

Não é vaidade, se bem que por estes dias o jacarandá em flor seja uma mancha de beleza violácea na paisagem, pintando o céu e o chão à sua volta. Apesar desta exuberância de passagem, é uma árvore de copa despenteada, com ramos que lhe cresceram meio espantados, aparentemente distraídos. Ou seja, tem os seus momentos de êxtase ao sol, mas vive o resto do tempo neste seu desalinho. E é nisto tudo que me reconheço.

O facto é que não há árvores feias. São entidades com raízes, recriando-se ciclicamente, mais cientes de si com a passagem dos anos, donas de uma história que dá frutos, abrigo, sombra, oxigénio. Fazem comunidades e comunicam entre si, sem perderem a própria identidade. São energia de terra, ar, água e fogo; a criação de uma liberdade feita de movimentos profundos e absolutamente transformadores.

Partilhando todas esta dimensão telúrica, transcendental, cada árvore é um manifesto de força e beleza em que reconheço qualidades particulares. Vejo a generosidade do carvalho, a convicção do plátano, a mimalhice do salgueiro, a resistência da oliveira ou até a urgência do eucalipto; vejo-nos em folhas arredondadas, recortadas, cheias ou delgadas, em troncos retos e curvados, lisos e rendados. Nesta arborescência, encontro todas as gradações da elegância além das formas. São árvores, podem ser mulheres.

jacarandá.jpg

 

Jessica e Carolina, obrigada!

Aplausos para duas figuras públicas e uma anónima especial, a minha filha, por assumirem com naturalidade o corpo após a gravidez. Os perfeitos deste mundo que lhes atirem a primeira pedra pela ousadia.

Ainda bem que há esta contracorrente a uma tendência que vem crescendo na sociedade, alimentada por “personalidades” da TV (protagonistas do seu próprio reality show) e magazines cor-de-rosa: a insana necessidade de a mulher que pariu há poucas semanas, um mês, exibir um físico de ninfa, totalmente recuperado, enxuto, como se o útero nunca tivesse sido habitado,  mostrando o sorriso resplandecente de quem dormiu as oito horinhas de sono. A sério?! Salvo raríssimas exceções (porque as há), todo este esplendor é exausto, fútil nos argumentos, desalinhado com a natureza humana, dissociado da essência feminina e, por isso, profundamente irrealista.

Bem hajam as mulheres preocupadas com o seu bem-estar e beleza, mas que se dão tempo, sem passarem pela experiência da maternidade com o catarpílar na potência máxima a esmagar os quilos a mais, a flacidez da pele, as olheiras de noites acordadas a tratar do bebé, os medos e as angústias, a alegria e o privilégio de Ser em vez de parecer.

Elogios, pois, para as Jessicas Athaydes e Carolinas Deslandes que não têm pressa; que não atropelam as prioridades e sobretudo não se atropelam a si próprias; que são o espelho da maioria das anónimas pelo país, pelo mundo. São lindas! Têm uma beleza que quem quer o corpo perfeito a qualquer custo, porque há que deixar o público de boca aberta e vestir bem o modelito para a gala da noite na TV e as objetivas do fotógrafo, nunca irá perceber.

Finalmente, na moda

Não gosto de comprar roupa, ver montras ou seguir atentamente as tendências, mas tenho vaidade q.b. Acontece que no meu conceito de beleza nunca coube um roupeiro cheio. A Terra concorda comigo.

As peças empilhadas na fotografia foram respigadas do armário de uma amiga. Entre nós, amigas, é comum circularem sacos com roupa usada em bom estado, que por algum motivo já não se deseja. Quando me toca a mim receber, aceito e agradeço. Sempre me pareceu uma forma feliz e cúmplice, absolutamente feminina, esta de adaptar ao estilo pessoal o que chega para uma segunda vida.

A questão do dinheiro não é, neste processo de reutilização e reciclagem, o motivo maior (embora conte), sabendo-se que hoje se encontra à venda roupa por valores acessíveis todo o ano, mais ainda em época de saldos. Compõem o meu argumentário um espírito consumista que foi sempre meio frouxo, o princípio ético e ancestral de reaproveitamento do que ainda está bom e, agora, a preocupação com o ambiente. Finalmente estou na moda, mas com grande pena minha.

A todos nós se pede CONTENÇÃO, o que no que toca aos têxteis significa comprar menos. A beleza nunca ficará em risco, como mostram cada vez mais mulheres e as jovens gerações para quem a “urgência em mudar o mundo” deixou de ser um cliché – é a necessidade.

 

Sobre a pegada ecológica que é fundamental mitigar, ficam alguns factos:

1 – A indústria têxtil e de vestuário é a segunda mais poluente do mundo. À frente, só a petrolífera.

2 – Consumo excessivo de água (por exemplo, só a produção de uma t-shirt de algodão exige 2700 litros de água); contaminação de rios, oceanos e, óbvio, da água para consumo (seja devido aos pesticidas usados nas plantações de algodão, aos tintos altamente perniciosos utilizados ou à presença de microfibras no processo produtivo e em cada lavagem das peças em nossa casa); emissão de CO2 (essencialmente na produção de poliéster) – eis o triste rasto da indústria têxtil e de vestuário.

3 – Em Portugal deita-se para o lixo uma média de 200 mil toneladas de têxteis por ano. Um europeu ou um norte-americano compram uma média de 16 quilos de roupa por ano. O que diz isto de nós?

5 – A chamada fast fashion (moda acessível) está em alta, prevendo-se que continue a crescer… com a nossa vaidade.

 

Como contrariar?

1 – Refrear o ímpeto consumista, reduzindo a compra de novas peças de vestuário.

2 – Optar por marcas com “selo verde”, indicando métodos de produção e tingimento mais sustentáveis ou o recurso a novos materiais alternativos.

3 – Privilegiar a aquisição de peças duráveis, intemporais e versáteis.

4 – Rejeitar peças da fast fashion, pensando no que elas significam para o ambiente, mas também para o equilíbrio social: o que sai barato a nós sai caro nos países de produção, onde a mão-de-obra quase não tem valor de vida.

5 – Pensar que cumprir a moda do momento é entrar num seguidismo que nada abona a favor da liberdade individual. Ser livre de tendências é uma boa tendência. Seguir ávida e despreocupadamente a fast fashion tornou-se o cúmulo da pirosada.

#naosejaspirosa

roupa_dada.jpg